O tema é recorrente nas discussões do direito empresarial: como
caracterizar o controle acionário quando não há posse da maioria
absoluta do capital da empresa investida? No Brasil, a legislação
societária adota um conceito amplo, que é alvo de críticas por não
configurar de forma objetiva a participação relevante. Agora, essa
subjetividade está prestes a ganhar um aliado, desta vez, na
contabilidade. A partir de janeiro, desembarca no Brasil um conjunto de
normas expedidas pelo International Accounting Standards Board (Iasb) e,
dentre elas, o IFRS 10, a ser chamado de CPC 36 R3 por aqui. A regra
vai além do pragmatismo do controle majoritário e aborda, inclusive, a
caracterização do poder de fato.
O IFRS 10 começou a ser elaborado após a crise financeira de 2008,
quando se percebeu que muitas companhias estavam expostas a elevados
riscos e retornos em suas investidas, mas não as contabilizavam. A regra
anterior era o IAS 27 (editada no Brasil como CPC 36), que definia o
controle como o poder de governar financeira e operacionalmente de modo a
obter benefícios com as atividades da subsidiária. A orientação para os
casos em que a análise do controle seria mais complexa estava prevista
no Icic 12, uma diretriz específica para sociedades de propósito
específico (SPEs). A partir de 2013, todo esse arcabouço estará reunido
debaixo de um único chapéu, o IFRS 10, aplicável aos vários tipos de
sociedade.
O principal impacto da definição de controle no mundo da contabilidade é
que, ao se declararem donas de uma investida, as companhias mudam a
forma de preparar as suas demonstrações financeiras. Sai de cena o
método de equivalência patrimonial e, em seu lugar, entra a consolidação
integral. Isso significa que se a companhia A é controladora de B com
uma participação de 40%, e B vale 100, seu balanço deixará de
contabilizar apenas os 40 proporcionais à fatia detida e passará a
registrar o valor integral da investida. Saber quando existe ou não
controle, porém, poderá se tornar mais difícil. "Quem se prendia ao
percentual de ações para fazer consolidação proporcional ou integral
terá de rever os conceitos", afirma a professora Roberta Alencar, da
Fipecafi.
A novidade é que os IFRS terão, pela primeira vez, referências
explícitas à caracterização do controle de fato. Assim, quando não
houver posse da maioria dos votos, será necessário auferir se uma
participação minoritária na investida não garante poderes suficientes
para direcionar o negócio. Nessa análise, a participação historicamente
majoritária nas assembleias de acionistas passará a ser um dos elementos
levados em conta na hora de caracterizar o controle minoritário.
O IFRS 10 também exigirá dos contadores e auditores que se debrucem
sobre situações até então restritas ao direito societário, como aquelas
em que são firmados acordos de transferência de participação acionária.
Se a atual controladora vende uma opção que dá a outra empresa o direito
de exercer o controle no futuro, é possível que estejamos diante de um
novo dono. O mesmo vale para os acordos de acionistas que preveem a
transferência de participação. A palavra final caberá aos auditores, que
analisarão as características de cada contrato. Se uma companhia A
controla B com 70% das ações votantes, mas vende para C a possibilidade
de esta assumir, a qualquer momento, ações que lhe garantam a maior
fatia dos votos, C é a dona da companhia. A lógica dos IFRS em relação
ao controle está sempre ligada à possibilidade de determinar os rumos
das atividades principais da empresa. Por isso, o sócio que detém esse
potencial é considerado dono, ainda que não seja o titular atual de
todas as ações que conferem direito a maioria dos votos. É o chamado
direito substantivo.
Até o fechamento desta edição, a norma traduzida não havia sido
disponibilizada para consulta pública. Mas Edison Arisa, coordenador
técnico do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), confirmou à
CAPITAL ABERTO que a versão brasileira ficaria pronta ainda este ano. A
novidade será usada já nas demonstrações de 2012, uma vez que as
companhias abertas são obrigadas a estimar, ao fim de cada exercício, os
principais impactos em sua contabilidade previstos para os 12 meses
seguintes.
Participação majoritária nas assembleias passará a ser considerada na caracterização de controle minoritário
SUBSTÂNCIA DELICADA — Na prática, a caracterização do controle de fato
não será nada simples. No último exemplo, a companhia C seria, em
princípio, declarada controladora por deter direitos de voto exercíveis
que lhe assegurariam a tomada de decisões. No entanto, se o contrato
prevê que o exercício da opção só ocorrerá mediante determinadas
condições, como o desempenho da companhia-alvo ou o pagamento de um
prêmio pelas ações, o direito de voto deixa de ser substantivo, e o
controle permanece nas mãos da companhia A. Os IFRS reconhecem,
portanto, a titularidade antecipada de ações, mas, para fins de
controle, é preciso que não haja barreiras para acessar tais direitos. O
momento em que ocorre a alienação do controle também entrará na análise
contábil. "Um acordo pode prever, por exemplo, que participações de 49%
e 51%, após um prazo de cinco anos, sejam invertidas. Analisaremos se o
controle foi alienado no momento da assinatura do contrato ou se
permaneceu compartilhado ao longo dos cinco anos", explicam Luciano
Cunha e Rogério Lopes Mota, da Deloitte.
Em contrapartida, os direitos de proteção, como o poder de veto, comuns
em acordos de acionistas, não criam uma situação de controle. "Eles
visam a proteger a participação dos investidores, mas não dão a eles o
poder de influenciar a atividade", esclarece Leandro Ardito, sócio de
auditoria da PwC. Da mesma forma, os detentores da maior parte das ações
de uma companhia podem não possuir, para fins contábeis, o controle da
empresa, de acordo com o IFRS 10. Nesse grupo estariam, por exemplo, as
sociedades de propósito específico (SPEs) que têm dentre seus sócios um
investidor financeiro, dono da maior parte do capital, e um investidor
estratégico, minoritário. Se ficar comprovado que o conhecimento do
minoritário é essencial para ditar os rumos e o desenvolvimento das
principais atividades da companhia, ele pode ser considerado o
controlador, ainda que haja um acionista com mais ações. Isso ocorre
porque o primeiro critério para determinação do controle, conforme o
IFRS 10, é a existência de poder sobre as atividades mais relevantes da
empresa. O minoritário, portanto, pode ser considerado controlador
quando tiver um papel essencial na condução da atividade fim da
companhia.
REFERÊNCIA PARA A CVM? — O arcabouço contábil sobre controle dos IFRS
tem tudo para ganhar um papel nas rodas de discussão de direito
societário, especialmente no conjunto das empresas que estão sob a
tutela da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Aquelas que assumirem o
controle de uma investida na contabilidade não deveriam tratá-la da
mesma forma nos formulários de referência entregues ao regulador? Parece
uma questão de coerência, mas o enlace entre contabilidade e direito
societário é visto com ressalvas por advogados. "O IFRS 10 obriga a
entidade a declarar sua condição de controladora, mas não é
necessariamente capaz de detectar o controle", avalia Walfrido Jorge
Warde Júnior, do escritório Lehmann, Warde.
Gustavo Oliva Galizzi, sócio do escritório Cândido, Martins e Galizzi,
também é cuidadoso ao examinar o que classifica como "análise contábil
do direito". "O controle é um estado fático, e a disciplina da
transferência do controle é muito complexa", avalia. Não é improvável,
pelo visto, que a novidade contábil torne as discussões societárias
ainda mais rebuscadas.
Os IFRS dizem quem é o dono - 19 de Novembro de 2012 - Revista Capital Aberto - Yuki Yokoi
http://contabilidadefinanceira.blogspot.com.br/2012/11/ifrs-10-controlada.html